Entrei correndo, já bufando. A porta fechou justinho atrás de mim. Aquela situação em que todos no trem viram a cabeça na sua direção e você fica meio que esperando ver no olhar das pessoas um sorriso de aprovação ou um meio suspiro de alívio por não ter ficado presa ou se machucado na porta. Nada disto. Foi na Piccadilly line, em Londres, e ninguém olha para você no metrô. Livros, jornais e celulares servem de subterfúgio aquele momento alarmante de interação social.

Assim mesmo, dentro de mim ainda existe aquela brasileira que, apesar de não mais bufar alto, sorriso largo ao fazer algum comentário tipo “aff , foi por pouco” ou ‘aff, ainda bem que entrei’, continua esperando ver alguma reação das pessoas ao meu súbito ataque ‘a contumaz impassibilidade no transporte coletivo. E, assim, para evitar desaprovação, sentei logo no primeiro assento disponível, cabeça baixa para evitar olhares. Sério. Aqueles olhares que ninguém estava me dando 🙂 Mas ainda faço isto.
Acomodei-me entre duas mulheres. ‘A minha direita, uma moça de uns 20 e poucos anos. Cabelo preto e verde, maquiagem pesada, baton roxo, piercing no nariz, nenhuma tatuagem aparente. Ela puxava para cima a meia calça preta, presa na corrente de uma bota preta pesada, daquelas que eu visualizo quando penso em dar um chute no saco de algum idiota.
‘A minha esquerda, uma mulher de quase 30 anos. Terno preto listrado de giz, sapatilha sem salto, maquiagem que parece cara lavada, unhas pintadas de rosa claro em dedos longilíneos que se enrolavam firmemente na alça de uma bolsa grande, cara, onde certamente estavam guardados documentos importantíssimos. Fiquei aliviada com a completa improbabilidade de ela puxar conversa comigo.
Pensei. “Londres… Tem de tudo. E todo mundo anda de metrô. Amo esta diversidade”. Foi quando percebi que elas, na verdade, tinham algo em comum : ambas usavam um perfume doce, forte. E em quantidade suficiente para que o TFL (Transport for London) tivesse de interditar o vagão e chamar os esterilizadores quando as duas chegassem aos seus destinos. Mas e o meu destino? “Que bom, só 5 estações”, pensei.
Tentei segurar a respiração. Durou meio caminho até a próxima parada. Respirei fundo (metaforicamente). Prendi novamente e tentei me concentrar. Mas esta situação se revelou igual aquela em que você não pode rir: explode na gargalhada. Ou está dentro do equipamento de ressonância magnética: coça tudo. Aquele cheiro enjoativo estava entrando pelos meus ouvidos. Será que eu estava prestes a vomitar? Não suporto cheiros forte. Nem perfume eu uso.
Sofri um ataque de inglesice. Petrifiquei. Mas ainda sentia o cheiro. Olhei ao redor. Havia dois lugares vazios no vagão. Pensei.’ Não posso mudar de assento. Elas vão notar que eu não gosto do perfume”. Só vinham soluções bizarras. “Vou abrir minha bolsa e enfiar a cara dentro”. “Também posso fingir alergia e começar a mexer no nariz, aperta-lo, espirrar”.
Não dava mais. Me levantei. Duas estações antes da minha. Caminhei em direção ‘a porta mais próxima do vagão ao lado, onde pretendia continuar a minha viagem. Lembrei de uma pesquisa científica, feita uns 10 anos atrás, que ligava o uso exagerado de perfume ‘a depressão. O trem diminuía a velocidade. O olfato parece estar prejudicado em pessoas com a condição. A boa notícia era que eu, definitivamente, não sofria disto. O trem parou. Mas talvez aquelas mulheres sofressem. Virei a cabeça para trás e, para minha surpresa, as duas retribuíram o meu olhar. Não dava mais para entrar no outro vagão.
Well… Me deixei levar com o bolo de gente saindo da estação. Uma caminhada na chuva me faria bem. O teatro, tinha certeza, valeria a pena.
Um amigo me disse que adoraria que os perfumes tivessem no rótulo o seu raio de ação, e que os de mais de 30cm de ação seriam proibidos como drogas pesadas… E não é que são mesmo drogas potentíssimas? E quando uma dessas olorosas criaturas nos tocam ou abraçam e a gente passa a disseminar o resultado de 4000 rosas embalsamadas aprisionadas em um vidrinho? Adorei a precisa descrição do tipo da bota da moça ao lado .
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Sabia que você ia gostar daquela bota. Deviam usar esta frase no marketing do produto. E btw, seu amigo está certíssimo. Estes perfumes deviam ser proibidos.
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Boa! rs. E se fosse bodum, seria melhor ou pior?
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hmmmmm Pior, eu acho. Mas aí eu usaria Paris como localidade. Passei poucas e boas ali. bj
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Pqp, maravilhosa crônica B.!!!! Cacete, só me vem palavrões em mente pq está divino! Parabens, quero mais.
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A ideia é escrever uma por semana. E me animar para escrever contos maiores para um livro. bj
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Também quero mais Betise!! Dei boas risadas mas pensei em mim: sou alérgica também, faria o mesmo que você. E a bota? Sensacional!!
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Enquanto eu descrevia a bota percebi sua perfeição para a tarefa descrita posteriormente. hahah. Obrigada
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Eu adoro tudo que escreve! Por favor, não pare nunca!!outra coisa, faça recomendações de livros
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